sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Uma Elegia a uma Mulher de Seis Anos

Uma vida de seis anos
somente
e os grandes olhos abertos para o mundo
preenchido pela voz de cocuana
· Zelina.

Uma vida de seis anos
uma vida
sem roliças bonecas fabricadas no estrangeiro
e embalando nos bracinhos magros
a sua boneca inteligente de carolo de milho
no dia da viagem comprida de cocuana Zelina
para as terras do medo e do mistério
das histórias de quizumbas
*
e guerreiros zulos
matando leões com azagaias.

Seis anos somente
chorando ao canto das fronteiras de caniço
uma esteira no chão
e o seu pequenino coração
asfixiado na incompreensão de vestirem
cocuana Zelina com a xicatauana de seda
a capulana nova de romagens encarnadas de mapsele
e também na cabeça branca de algodão
amarrarem o lenço verde de florinhas amarelas.

E deixaste, velha Zelina
na casinha de ripas do Xipamanine
uma mulher de seis anos a brincar
com a boneca inteligente de carolo de milho
e chorando ainda de olhos secos.

“Cocuana Zelina…! Oh… Cocuana Zelina…!”

E uma vida de seis anos
somente
ficou chamando o teu nome
na partida para sempre
no dia de sol em que flores foram para ti
e perfumaram o teu sono cocuana Zelina
e se deitaram contigo
na vala de um por dois da parcela
cavada em honra do teu repouso.

Mas também tu mulher de seis anos
lá ficaste
no asilo da velhice de cocuana Zelina
deitada no talhão reservado aos imóveis
cidadãos alforriados de costas
no subúrbio derradeiro.


(José Craveirinha)


· Cocuana: avó (Nota minha).
* Quizumba: fantasma (Nota minha).

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