segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Os dois "Karingana ua Karingana"

Pela falta de espaço e também por respeito aos direitos autorais, fiz uma seleção de poemas deste livro, Karingana ua Karingana. Como critérios de seleção utilizei o valor estético e histórico, além do meu gosto pessoal, que (espero) todos compartilhem.

Inicio com os dois poemas que abrem o livro, referenciados já por Calane da Silva na Introdução.





Karingana ua Karingana


Este jeito
de contar as nossas coisas
à maneira simples das profecias
- Karingana ua Karingana
é que faz o poeta sentir-se
gente.


E nem
de outra forma se inventa
o que é propriedade dos poetas
nem em plena vida se transforma
a visão do que parece impossível
em sonho do que vai ser.


- Karingana!







Karingana ua Karingana

De hora a hora
e minuto a minuto cresce
cresce devagarinho a semente na terra escura.
E a vida curva-nos mais ao ritmo fantástico
do nosso chicomo relampejante áscua de chanfuta
subafricano amadurecendo as jejuadas manhãs
ao velho calor dos braçais intensos
na lavra das lavras de uma lua
esfarrapada no meio do chão.


E a semente de milho cresce
cresce na povoação que a semeou com ternura
desidratada à preto nos sovacos da machamba
e a estrada passando ao lado vai-se abrindo
como uma mulher vai-se abrindo quente e comprida
aos beijos das rodas duplas da Wenela de cus
e dorsos a germinar os pesadelos dos mochos
bacilarmente
imperceptivelmente
desabrochando os profilácticos
férteis sudoríperos cereais em manuração.


E depois...
de capulanas e tangas supersticiosa a vida
vai espiando no céu os indecifráveis agoiros
que hão-de rebentar a nhimba da missava culimada
e na mórbida vigília dos ouvidos ao - Karingana
ua Karingana!? - todos juntos prescrutando a mafurreira
longínqua no horizonte e as mãos batendo a forja dos mil
sóis da tingoma dos corações enroscados de mambas
de ansiedade à luz da fogueira, respondendo - Karingana!


Oh! Os Xicuembos a chamar a chamar
nas facas de esmeraldas de milhos verticais na terrra!


Ah, o dia bom da colheita destes milhos de amor
e tédio vai começar e recomeçar nos inumeráveis chicomos
desalgodoando os algodões a mais sofisticados
de tractores que deviam estar e não estão.


2ª versão (29/2/51-63)

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