sábado, 24 de janeiro de 2009

Mesmo de rastos


Para o F. Couto

Mesmo depois
eu quero que me escutem
na razão da minha voz insepulta
e viril como um punhal.

E que a terra apenas cubra
a memória dos gestos inconclusos
e não o sopro incontido
dos gritos que eu gritar
no túrgido silêncio das manhãs
carregadas do mênstruo com que nascem.

E
na sensualidade da minha voz insepulta
ou na paz dos metacarpos cruzados
eu quero que me oiçam
sintam inteiro
e vejam rebelde e nu
como sou.

E ao ácido sabor do fruto imaturo
irei à conquista do horizonte dos astros
enquanto nos dedos o aroma
é da mão que colheu a flor
olhos num céu que não se vende
mas vê-se em nacos inteiros
azuis mesmo de rastos.

Que na minha humana condição
a morrer insubmisso
e a gritar vou
como as ondas que nascem das ondas do mar
e morrem para se renovar.


(José Craveirinha)

Com este poema em jeito de despedida, termino a seleção dos (que julguei) melhores de Karingana ua Karingana.

Espero que Craveirinha continue a ser ouvido, como pede neste poema, que, imagino, tenha dedicado a Fernando Couto, pai de Mia Couto.


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